quarta-feira, 30 de julho de 2014

Dia 1 - O primeiro dia

O primeiro dia.
Este. Do resto da vida aqui, que espero longa, mas não demasiado para não agoniarem.
O primeiro dia de Dezembro.
Da Restauração. Da afirmação da nossa vontade, do retomar das tradições portuguesas após a quebra de promessas ao povo por um Rei espanhol. O dia que agora querem esquecer.
Depois, todos os nossos outros primeiros dias: de escola, de férias, de namoro, de trabalho, de casados, até os primeiros de Abril.
Os primeiros dias têm um sabor especial que as nossas memórias conservam teimosamente mesmo quando queremos esquecer.
Dos bons primeiros dias retemos o cheiro a cabedal da pasta nova, os sorrisos que nos recebem, o dar de mão e o beijo desajeitados, a visão súbita do mar, a emoção da estreia…
Dos maus primeiros dias, a ansiedade que nos faz parecer tontinhos precisamente quando queremos deixar boa impressão e parece que a fala, a boca, a língua, decidem todas de repente ter vontade própria, indomável, resolvendo sair-se com disparates que nem sonhávamos ser capazes de dizer, ou então ficam mudas quando o cérebro estava cheio de frases preparadas vários dias antes para a solenidade da ocasião. Pior ainda quando, nem mudas nem tagarelas, todas elas se entaramelam numa gaguez aflitiva acompanhada de gotas de suor que nem sequer tinham sido convidadas.
Está tudo dito. Vai ser assim.

Nota de pé de página em jeito de intróito
DIA 0
(há sempre, desde que os árabes resolveram dar nome ao nada)
Achou o João Marchante que eu devia aqui escrever. Sobre o quê? perguntei-lhe, derretida. Quotidiano, ironia e monarquia, respondeu sem hesitação. Ena! Conhece-me de ginjeira…
Escreverei com a maré dos dias, uns melhores que outros, alguns de raiva, outros de puro divertimento.
Ai! Disciplinar uma mente indisciplinada que já tem idade que chegue, é obra, mas tentarei cumprir. Prometo que tento. 

Leonor Martins de Carvalho 

Publicada a 27/01/2012 in Eternas Saudades do Futuro

terça-feira, 29 de julho de 2014

Dia 101 - De recomeços

Recomeçar é verbo prometedor. Sabe a força. Cheira a novo.

Embora haja quem diga ter medo de recomeços, na verdade, mesmo quase sem dar por isso, usamos e abusamos das suas versões ao longo das nossas vidas, todos os anos, todos os meses, todos os dias ou até várias vezes num mesmo dia.

Garante da sobrevivência, recomeçamos sempre que a vida nos dá estaladas. Recomeçamos sempre que caímos. Recomeçamos acompanhados. Recomeçamos sem ninguém ao lado. Recomeçamos a cada filho. Recomeçamos sempre que a vida nos dá outro olhar.

Cada acordar é um recomeço. Cada espelho é um recomeço. Cada livro é um recomeço. Cada mudança de óculos é um recomeço. Cada minuto em frente a algumas pessoas tem mesmo de ser um recomeço, que segure com trela a vontade de lhes pregar uma valente sova.

Esta carteira está tão próxima da espécie humana quanto lhe permite a sua sede de assimilação. Fechou-se (comprou até cadeado na loja do chinês!) quando chegou aos cem títulos em blogue alheio. Grata ao João Marchante mas exausta. Faltava-lhe o treino naqueles hábitos saudáveis que tanto apregoam por aí.

Após reflexão profunda, tanta quanto o seu volumoso bojo, decidiu-se então pelo recomeço, arrombou o cadeado e mudou-se de armas e bagagens para apartamento próprio (é arrendado, mas agradeço que não lhe digam).

Neste andar de duas assoalhadas, convivem antigas crónicas e arremedos de novas, agora sem horários fixos. Não consegui inculcar-lhe os tais hábitos...

Deixamos o ego quoque para o que sempre foi. O cantinho.

Se este recomeço não parece tão prometedor quanto o verbo, no futuro vai tentar sê-lo, tanto mais que de promessas vãs está a carteira cheia e por isso nunca encontro nela o tema das crónicas.

Já agora, pedia o pequeníssimo favor ao país para aprender a recomeçar.


Leonor Martins de Carvalho