tag:blogger.com,1999:blog-75029250169801696702024-03-14T04:59:54.676+00:00Carteira de SenhoraSequela das crónicas publicadas no blogue Eternas Saudades do FuturoLeonor Raposohttp://www.blogger.com/profile/13554672714521585651noreply@blogger.comBlogger9125tag:blogger.com,1999:blog-7502925016980169670.post-37095646674951919322017-04-14T20:59:00.000+01:002017-04-17T19:58:52.880+01:00Dia 105 - Da eternidade das mães<span style="text-align: justify;">É assim que as mães são, eternas.
No céu e na terra.</span><br>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Claro que alguns nos avisam que
as mães não são eternas. O conselho é querido. Quer-se que aproveitemos ao
máximo a sua presença nas nossas vidas porque em novos achamos mesmo que vão
estar connosco para sempre. Quando pela primeira vez nos apercebemos de que
pode não ser assim, perdemos de repente o pé, mas começamos a nadar ignorando
os sinais.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Contudo, estão enganados. As mães
são mesmo eternas. São-no lá, na sua nova vida, mas também cá, na nossa. Os seus
objectos, as suas criações, os seus textos, as nossas memórias, as nossas palavras
e até os nossos gestos são a eternidade das mães. E são já continuidade essas
memórias, palavras e gestos. São também os das suas próprias mães. Que os têm
das suas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O que a minha mãe foi e viveu não
cabe num livro. Talvez numa colecção de trinta volumes... Deve ser assim com
todas as mães. Não cabem em livros. É estranho (ou não!) caberem em memórias,
mas não em livros.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A mãe, 1,59m de pura grandeza, fez
coisas gigantes e coisas minúsculas, tão grandes como as outras. Tantas e tão
variadas que impressionam.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como a minuciosa preparação de
qualquer conferência ou artigo: sobre a Edith Stein leu tudo o que havia, conhecia
os <i>Nouveaux Philosophes</i> melhor que
eles próprios, duvido que tivesse falhado alguma leitura dos anarquistas,
Hildegard Von Bingen não tinha segredos e por aí adiante...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como o gigantesco trabalho de
procurar uma gravura de Santa Marta, quase em desespero encontrar uma do
tamanho de uma impressão digital, emoldurá-la e pôr a minúscula surpresa no
quarto da sua neta Marta no Alentejo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como resolver tirar os cursos de Filosofia
e de Teologia depois dos cinquenta anos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como fazer vestidos para as
bonecas e tricotar meias.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como ter um programa sobre
História de Arte na televisão que dava os primeiros passos (gostava tanto de
poder vê-lo...) e durante dois anos um programa na Rádio Renascença sobre
crianças.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como ensinar-me a ler usando
recortes de revistas colados em folhas num dossiê e rir-se quando esta
devoradora de letras de cinco anos perguntava o que era um final emocionante.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como criar uma espécie de banda
desenhada relatando as eleições de Portalegre de 1949 com as listas da oposição
e noutra uma visita a Inglaterra com a irmã.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como fazer um caderno de palavras
cruzadas inventadas só para mim.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como desenhar de uma forma maravilhosamente
simples e bela.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como escrever uma história a
meias com os três filhos, num Verão em São Martinho do Porto, inspirada no Eça de
Queiroz e no Ramalho Ortigão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como ter escrito para jornais e
revistas, como a Ao Largo, o Diário de Notícias, o Diário Ilustrado...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como inventar as aventuras da
História Qualquer (Ó mãe conte uma história! Que história? Uma história
qualquer!) que duravam exactamente o tempo de viagem ao domingo, entre a casa
da avó no Estoril e a nossa casa em Lisboa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como colaborar na revista do
Ministério da Cultura, no tempo do David Mourão-Ferreira e do Lima de Freitas,
numa das quais entrevistou a Sarah Afonso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como organizar caças ao tesouro
para encontrarmos os ovos da Páscoa, com pistas que eram verdadeiras charadas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como ter sido <i>copywriter</i> numa agência de publicidade
onde criou, por exemplo, um slogan para a SEAT de que já não me lembro, mas sei
que foi um sucesso na altura.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Paro. Senão temos os tais trinta
volumes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Lia tudo, mesmo tudo, desde poesia
a política, teologia, romances, filosofia e até sobre física. Uma sede imensa
de conhecimento, uma sede imensa do mundo, alicerçada numa profunda fé. Desde
os quinze anos na JEC que sempre foi a mais dedicada das leigas e a sua
contribuição para a Igreja deve dar metade dos trinta volumes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Adorava a família, os irmãos, os
sobrinhos e era uma espécie de cofre aberto das memórias familiares, uma óptima
contadora de histórias fazendo-nos querer saber tudo e perpetuar tradições.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas é claro que tivemos bulhas.
Sou uma criatura impossível de aturar. Mesmo assim aguentou-me e passei a minha
adolescência a segui-la para todo o lado quando andava na política, no PPM. Era
o meu ídolo e o dos meus irmãos. Procurávamos os seus sábios conselhos e
opiniões sobre tudo, desde o que vestir até à última novidade política.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Desculpe mãe, custa-me escrever
agora, sei que está uma trapalhada, mas também sei que é uma necessidade
absoluta. Minha, egoísta, mas é. Pode ser que um dia consiga escrever coisa
mais decente, mas sei que nunca vou estar à altura. Tento, mãe, mas não
consigo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Faz-me falta para dar beijinhos e
festinhas, mas ao mesmo tempo é eterna no seu exemplo, na sua coragem, na sua
integridade, na sua inteligência e está aqui comigo, connosco. É eterna. Como
todas as mães.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Da sua “taramela”, “gata arisca”
e “quero tudo já”.<o:p></o:p><br>
<br>
Leonor</div>
<!--EndFragment-->Leonor Raposohttp://www.blogger.com/profile/13554672714521585651noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7502925016980169670.post-31085568859249087802014-11-16T20:16:00.001+00:002014-11-16T20:16:15.183+00:00DIA 4 – Da cantina<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; text-align: justify;">Quando
se diz que uma carteira de senhora não tem fundo, é porque cabe lá tudo, sendo
exactamente esse o problema. A verdade é que todas têm fundo, mesmo esta, mas
não há maneira de conseguir encontrar o tal texto que tinha começado. O truque
é não insistir numa procura específica. Um dia o acaso trará à tona o que
quero. Assim, surgiu qualquer coisa com uma pitada de crise.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; text-align: justify;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">De
há uns tempos a esta parte que vimos ouvindo dia sim, dia não, sermões
admoestadores de um senhor Silva e de muitas outras réplicas do senhor Silva,
economistas na sua maioria, sobre como os portugueses têm vivido acima das suas
possibilidades.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Confesso
que não me tinha apercebido desse facto e dediquei-me de coração a elaborar um
estudo aprofundado sobre o assunto na parte que me diz respeito.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Os
senhores Silvas até parecem videntes e deviam concorrer com os inúmeros
professores de nomes vagamente africanos que prometem mil e uma salvações em
minúsculos papelinhos que distribuem à porta do metropolitano. Então não é que
estava mesmo a viver acima das minhas possibilidades? Esquadrinhando despesa a
despesa e saltando convenientemente a linha que continha a palavra tabaco e que
até pusera em pé-de-página com letra de apólice de seguro, apercebi-me que, de
facto, uma determinada área da minha vida saltava à vista desarmada, em letras
grandes e florescentes, como problemática: o almoço.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Almoçar
fora todos os dias gastando uma média de 8 € era sem dúvida viver acima das
minhas possibilidades, e como não queria mais sentir-me incluída nos tais
sermões, mudei radicalmente a minha vida, como aquelas mentes que se iluminam
pelos discursos inflamados de homens vulgares erigidos a profetas glorificando
os seus livros de auto-ajuda agora no topo das vendas das livrarias.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Sendo
funcionária pública, retomei o antigo hábito de quando a idade era boa por ser
pouca mas rimava com dificuldade: ir à cantina. Nós dizemos ir à cantina, mas
na verdade, o nome oficial é refeitório. Palavra comprida demais para frases
que se querem curtas no aperto dos horários e cantina até lembra escola.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Aqui
perto há dois lugares à escolha, um mais “chique” do que o outro, mas o preço
por uma refeição completa é o mesmo, menos de metade do que pagava apenas por
um prato!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Um
deles é enorme, provavelmente antiga garagem transformada em cantina. Permite
um almoço mais sossegado e tem uma outra vantagem: as mesas são para quatro
pessoas e as cadeiras, surpresa das surpresas, são uma espécie de baloiços. Não
sei descrever à moda de manual técnico, mas em termos simples, são giratórias.
Como se fosse um parque infantil à mesa do almoço, uma espécie de presente para
os mais velhos, com um certo sabor a brincadeira proibida, lembrando os dias em
que seus pais lhes chamavam a atenção “está quieto com a cadeira!”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Aqui
são mais os reformados que vêm, alguns desde muito cedo, sentando-se na sala de
entrada à espera de serem os primeiros da fila e adoram ter motivos para chamar
a atenção de quem acham que lhes está a passar à frente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Na
cantina chique, mais pequena, as mesas são corridas, há mais gente e, embora
também seja frequentada por velhinhos, os mais novos estão aqui em grande
número, pelo que o barulho é a condizer.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Antes
de ordeira e pacientemente ir para a fila do <i>self-service</i>, compram-se as
refeições em máquinas muito evoluídas, com ecrã táctil e uma voz de senhora num
metálico irritante a dar ordens: insira o seu cartão, não retire o seu cartão,
efectue o pagamento, retire o cartão, retire o troco, retire o recibo. Na
cantina grande, as máquinas até têm arrumador. Um senhor que ajuda quem se
atrapalha com a máquina diabólica esperando que lhe caia em sorte ou bondade
uma moeda.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">As
funcionárias adoram ser cúmplices e sugerem o que devemos comer com acenos de
cabeça, um piscar de olhos ou uma deixa apropriada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Há
os velhinhos que vêm em grupo, normalmente mulheres, antigas professoras
aposto, muito bem arranjadas, às vezes até de casacos de peles e maquilhadas,
sobretudo muito conversadeiras. Há os que vêm sozinhos e descobrem os outros, e
os que vêm sozinhos e não querem mesmo ser descobertos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Os
que vêm de bengala ou canadianas são ajudados pelas funcionárias que lhes levam
o tabuleiro até á mesa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Há
quem ache que tem aquele lugar reservado e se sente no lugar ao lado refilando
entre dentes o tempo todo, em tentativa de reconquista do lugar adorado pela
força da indignação expressa em palavras sussurradas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Há,
descobri hoje quando um senhor desmaiou, muita solidariedade e um conhecimento
mútuo mas calado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">A
cantina parece um outro mundo, paralelo, com passagem secreta atrás de portas
discretas, mas é o nosso mundo. O meu e o vosso.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Deprimente?
Nem tanto. É a vida.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Leonor
Martins de Carvalho<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Publicada
em 17/02/12 no <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<a href="http://do-futuro.blogspot.pt/2012/02/carteira-de-senhora_17.html"><span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">http://do-futuro.blogspot.pt/2012/02/carteira-de-senhora_17.html</span></a><span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Leonor Raposohttp://www.blogger.com/profile/13554672714521585651noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7502925016980169670.post-18940328561505233542014-11-09T03:14:00.000+00:002014-11-09T12:50:32.205+00:00Dia 104 – Do asco<div class="MsoNormal">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Bem tentou a carteira
impedir-me por todos os meios de escrever esta crónica. Usou de argumentação
científica, literária, abusou de golpes baixos, enfim, o costume. Que já todos
escreveram sobre o mesmo, que é repetitivo, que nunca terás a força de um
verdadeiro escritor, que não conseguirás atingir as almas.<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Não sei. Não quero saber.
Sai-me das entranhas, esta. Das más. Aquelas que nos viram as tripas. Que nos
nauseiam e nos tiram o sono. A alguns, claro, e tenho a pouca sorte de ser um
deles. Deixei de ver televisão, mas sempre me chegam notícias pela Internet e sinto
asco, asco e mais asco. As náuseas que não tive na gravidez. Deve ser castigo.<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Há anos que vemos, lemos e
sabemos das promíscuas vizinhanças, ou melhor, da partilha de cama e mesa (com
roupa lavada) entre poderes económicos e políticos e das amancebações (não
existe a palavra, paciência, inventei) com empresas de advogados. Sem pudores
nem remorsos.<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Tudo tem um preço e cada
vez mais baixo. Não existe país, não existe Nação, não existe Língua, existe
uma oportunidade de negócio. A prostituição de uma Pátria. Vendem-se os pais,
os avós, a língua, a terra, o património, a História a troco de um passaporte,
um prato de lentilhas, um <i>honoris causa</i>,
uma condecoração. <o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Honras a quem traiu, vendeu,
sabujou, calou. Calúnias a quem resiste. Chegamos a pensar que estamos sós, que
estamos doidos, apontam-nos como ultrapassados por não percebermos a utilidade
(traduza-se por dinheiro nos bolsos) da coisa. Estranham não cedermos ao <i>marketing</i> bem delineado da pertença a um
qualquer suposto bem maior.<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Roubar, mentir, vender-se,
vender outrem, vender património ao deus-dará, delapidá-lo, descaracterizá-lo, cometer
genocídio de todos quantos vivem fora do centro do poder, passaram a ser os
mandamentos deste mundo a que não quero pertencer.<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O asco não se resume a
este canto. É vírus bem mais potente que qualquer Ébola. Assistimos a igual ou
parecido (embora pareça sempre pior aqui, porque nem a justiça funciona) por
todo o Mundo. <o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A guerra, a corrupção, a
violência, a violência gratuita, os negócios com a guerra, os negócios com as
riquezas das Nações dos outros, as perseguições, os abjectos usos de crianças
nas podridões de sociedades sem consciência.<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Passei a vida a dizer à
filha “com o mal dos outros posso eu bem”, ou “se X se atirasse a um poço
também se atirava?”… a propósito do eterno argumento infantil de que os outros
também fazem, ou podem, ou fosse o que fosse. Mantenho o argumento. Gosto de
dormir tranquila. Infelizmente, dormir tranquilo, para muitos, é dormir abraçadinho
à ganância e tomar o pequeno-almoço com ela, porque pagou.<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Assusta. Conseguimos
antever um futuro, não o que desejámos, mas o imposto por obscuros tempos. Uma
coutada de alguém. Em rigor, negamos, mas até já somos.<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Pensei em fugir. Ir para
outro canto, bem longe. Mas este canto é também meu, foi dos meus, herdei deles
uma visão muito própria do que somos. Porque hei-de fugir? Porque não ficar e
resistir? Porque não acreditar que somos mais do que marionetas?<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O melhor comprimido para a
náusea provocada pelo asco são os pequenos momentos, no dia-a-dia, que nos fazem
acreditar haver ainda gente boa e sã, apesar da visão diariamente imposta de
inúmeras montanhas que nos atrofiam e nos parecem inultrapassáveis.<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Nem que seja por um.
Portugal tem <b>oitocentos e setenta e um
anos</b>. Só precisa de quem o continue a amar. Um amor vindo das entranhas.
Das boas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Leonor Martins de Carvalho<o:p></o:p></span></div>
</div>
Leonor Raposohttp://www.blogger.com/profile/13554672714521585651noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7502925016980169670.post-33108849688178796582014-09-01T22:12:00.000+01:002014-09-01T22:12:29.161+01:00Dia 3 – Da calçada portuguesa<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; text-align: justify;">Estava
a escrever um texto e cometi o imperdoável erro de o voltar a pôr na carteira.
Quando, a medo mas esperançosa, voltei a lá enfiar a mão para o recuperar, saiu
outro. Previsível… Logo por azar, muito feminino.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; text-align: justify;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">É
linda a calçada portuguesa, pois é. Original e tudo. <i>Very typical</i>, dizem os turistas de fim-de-semana. Só mesmo quem não
tem de a calcorrear todos os santos dias. Claro que também gosto, da sua
beleza, por ser diferente e até pela cor. Combina com a nossa luz e sobretudo
com a de Lisboa. Ao menos temos uns passeios que de cinzentões não têm nada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Há
sempre um “mas” à nossa espera ao virar da esquina, e este vem informar que a
calçada tem os seus pequenos senãos. O principal resulta de já não haver
calceteiros à altura. Hoje as pedras são postas com pouco cuidado, já não ficam
bem juntinhas e a calçada não é batida convenientemente, porque é preciso
despachar a obra, porque há que poupar nas horas de trabalho que são caras,
porque a empreitada tem de cumprir o prazo (o tal que nunca é cumprido na
mesma)…<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Outro
grande óbice à sua perfeição é a quantidade de vezes que se abrem buracos num
passeio. Nos mesmos sítios. Quando se refaz uma calçada, mesmo se mal feita,
está linda, direitinha, os sapatos até pedem para a estrear. Nem uma semana
passou e está a empresa do gás a abrir um buraco. Aquelas obras em que para um
metro quadrado de área são precisos, no mínimo, uns quatro trabalhadores, um
para dar uso à picareta e os outros três para uma espécie de apoio moral,
amálgama de ordens, conselhos e palavrões. As suas posições relativas vão
alternando consoante o instrumento de trabalho que se segue. Ao fechar-se o
buraco, nasce a primeira lomba naquele até então bem nivelado passeio de
calçada à portuguesa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Eis
senão quando, a empresa da água lembra-se de um cano que tem de ser substituído
precisamente no mesmo metro quadrado. Os trabalhadores não são os mesmos, mas a
história é. Vede senhores como a primeira lomba se transforma em duas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">É
preciso continuar? Um ano depois, o produto final é uma calçada à portuguesa à
moda da Serra da Estrela, com montanhas, picos e vales. Quando chove o postal
fica completo com os lagos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Temos
ainda a originalidade de passeios com declive lateral, como nos autódromos, em
direcção à rua, perfeitos para testar a aderência das solas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Finalmente,
quando chove, abordar uma descida com mais de 20 graus de inclinação, mesmo
nada rara em Lisboa, é suicídio. Parece que alguém concebeu um plano para
encher as urgências dos hospitais que devem estar pelas ruas da amargura, essas
que não têm passeios com calçada à portuguesa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Perante
este verdadeiro circuito de corta-mato citadino, como é possível a uma mulher
que acabou de comprar aqueles sapatos de salto alto de sonho, ter o andar
elegante que lhe é prometido em todas as revistas femininas, se o dito salto se
enfia precisamente, em cada um dos interstícios das pedras, esvaziados de terra
com as primeiras chuvadas? Não há elegância possível em pés que a cada dois
segundos se viram lateralmente, em sentidos opostos, proporcionando uma
estranha visão de corpo retorcido na quase-queda e novamente retorcido no
retomar do equilíbrio, resultando num caminhar a soluços.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Confesso
que já caí. Humilhação completa, porque logo olhares trocistas me avaliaram sem
hesitar como “aquela que não sabe andar de saltos altos”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Realmente
as mulheres portuguesas são extraordinárias. Caminhar de saltos altos nesta
calçada é equivalente ao trilhar de mares desconhecidos pelos navegadores. Se
organizarem o campeonato mundial aqui, ganhamos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">O
pior inimigo da mulher portuguesa não é, ao contrário do que possa parecer, o
homem português. É outra fêmea, também portuguesa: a calçada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Leonor
Martins de Carvalho<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Publicada
em 10/02/12 no <a href="http://do-futuro.blogspot.pt/2012/02/carteira-de-senhora_10.html" target="_blank">Eternas Saudades do Futuro</a><span id="goog_924270963"></span><span id="goog_924270964"></span><a href="https://www.blogger.com/"></a><o:p></o:p></span></div>
<br />Leonor Raposohttp://www.blogger.com/profile/13554672714521585651noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7502925016980169670.post-82488172235031397032014-08-25T22:24:00.003+01:002014-08-25T22:24:38.112+01:00Dia 103 – De memórias II<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Do bojo da carteira nem
sempre saem temas surpreendentes. Muitas vezes, ao contrário do que ela pensa,
são mais do que previsíveis.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Penso que já falei de
memórias. É raríssimo reler o que escrevi e tenho medo de me repetir, mas sempre
que regresso às raízes saltam as memórias para o colo, trepam peito acima e,
não sei porquê, teimam acintosamente em alcançar os olhos (só pode mesmo ser de
propósito) para que se afoguem em lágrimas. Estranhamente, as memórias nadam e sobrevivem.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Ninguém nos ensina a
guardar memórias. Instalam-se sem pedir licença. Há quem tudo faça por apagá-las.
De nada vale. Estão lá, queiramos ou não. As más e as boas. As más, contamos a
poucos e algumas ensinam-nos a crescer. As boas, desejamos que todos as tenham
iguais. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Sei bem que os filhos
terão as suas memórias mas gostava tanto que fossem meros acrescentos das
nossas… Talvez nos compreendessem melhor, quando perante uma paisagem, uma luz,
um som, um cheiro, nos vêem paralisados, de sorriso pronto, um ar pateta...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Como explicar as cores, cheiros,
sons e gestos que nos transportam até a um outro tempo, feliz ou menos feliz? Algumas
memórias ainda poderão ter remédio, para outras é demasiado tarde. Mesmo com inusitados
esforços só conseguimos partilhar algumas e muitas desapareceram na voracidade
das regulamentações enviadas com selo de Bruxelas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Desapareceram aqui os
gestos e cheiros da minha infância. Se quisesse o seu retorno, tinha de me ver
com as regras higiénicas europeias, inodoras e incolores. Mas um dia ainda poderei
revivê-las. Como os cheiros da queijaria. Os gestos. Sentir os dedos a mergulhar
naquela massa branca tão macia extorquindo-lhe o soro e moldá-la ao cincho. O
cheiro da massa do pão. Dos gestos violentos a amassá-la, acabando numa simples
bênção de cruz rematada a frase condizente. Da vassoura de giestas a varrer o
forno, quente da carqueja. Da espera. O aprender a esperar. O cheiro do pão
quando se tira a porta do forno.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O gesto de migar as couves
para as galinhas. O chamá-las ao repasto. Os cheiros do fumeiro. Provocar os
perus. Os cheiros da adega. Os gestos rigorosos para, numa horta, tapar com a
enxada um rego no minuto exacto e dar entrada à água noutro. Os badalos e
chocalhos ao longe. Cavalgar como se fosse dona do vento.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">As memórias perdidas. O tempo
exacto de regular o candeeiro a petróleo para não queimar a chaminé. O cheiro
das velas que levávamos para o quarto. O som das nossas vozes ao serão. O som das
conversas fascinantes dos tios e os seus desenhos deslumbrantes. O som do
silêncio quando, concentrados, tentávamos agradar à avó mostrando que também sabíamos
desenhar. O som das cartas da paciência da avó. O som dos seus passos subindo a
escada para ver se não tínhamos velas acesas. O som do telefone que o tio-avô
inventou para ligar as quintas entre si, em códigos Morse diferentes. Três
traços. É para nós! O gongo gigante que à falta de sino, marcava as horas de
descanso e de trabalho. O gongo pequenino de casa para chamar às refeições, que
a avó levava até à varanda. Raramente o ouvia, tão longe estava, e os atrasos
pagavam-se.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Estas e muitas mais, recuperáveis
ou perdidas, guardo-as em caixa de música que toca sem avisar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Inesperadamente herdei
também as memórias dos nossos que cruzaram os mares, conheço os sons, cores e
cheiros sentidos pelos que aportaram em sítios onde nunca fui. Sei que os
reconheço. Sei que vou chorar na sua presença porque os sinto meus.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Leonor Martins de Carvalho<o:p></o:p></span></div>
</div>
Leonor Raposohttp://www.blogger.com/profile/13554672714521585651noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7502925016980169670.post-11390422110425980912014-08-18T23:12:00.002+01:002014-08-18T23:12:20.845+01:00Dia 2 - Dos políticos<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Até
podia aproveitar a maré das efemérides desta semana para uma alfinetada
monárquica. Contudo, tal como os nossos antepassados aprenderam a navegar à
bolina para chegar a bom porto, decidi ir contra o vento. Afinal nem tinha
outra hipótese, pois nesta carteira, gémea de todas as outras, o aleatório é
quase comandante. Nunca se encontra o que se quer e sai sempre o inesperado.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Parafraseando
os saudosos Monty Python, passemos então a algo completamente diferente: “os
políticos”. Queixamo-nos todos os dias dos políticos em geral e de muitos em
particular. Que fazer? Haverá solução? Será que ligeiras alterações à sua
carreira fariam alguma diferença? É mesmo o que proponho, ligeiríssimas
alterações.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Todos
os aspirantes a uma carreira na política, seriam obrigados a passar por uma
série de provas. À moda dos Jogos sem Fronteiras, lembram-se? Para que o povo
conhecesse bem os futuros políticos, as provas seriam televisionadas e
apresentadas pelo Eládio Clímaco, que tem a experiência requerida.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Deixo
aqui dois singelos exemplos:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">1.
Viver um mês numa aldeia isolada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Pode
ser em Trás-os-Montes, Beiras ou Alentejo, tanto faz.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">A
preferência seria por uma aldeia num vale recôndito, sem rede de telemóvel nem
de Internet, nem sequer acesso à novíssima TDT. Ficariam a 20 km de outra
aldeia e a 50 km da vila mais próxima, através de belíssimas estradas com
curvas a cada 5 metros e com espaço suficiente para passar um Mini.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Os
candidatos receberiam a reforma mínima, não tinham direito a automóvel e teriam
de fazer a vida de uma família normal: ir para o trabalho, às compras, ao
médico, à escola, à Câmara, ao tribunal (antes ainda do novo mapa judiciário).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">O
júri era constituído por habitantes locais com fama de incorruptíveis, que se
encarregavam de verificar se não havia batotas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">2.
Viver em ambiente urbano sem automóvel, num qualquer subúrbio de Lisboa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Pode
ser Seixal, Stª Iria de Azóia ou Algueirão, tanto faz.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Nesta
prova, com o pecúlio aumentado para o salário mínimo, teriam de descobrir que
tipo de passe comprar, as ligações e transbordos necessários, e depois ir para
e voltar do trabalho à hora de ponta, bem como efectuar percursos em horário
nocturno e em fim-de-semana.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Também
aqui se poderia recorrer a habitantes locais como jurados, mas um concurso para
voluntários controladores não era má ideia, desde que fossem revistados antes,
para evitar vinganças privadas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Os
sobreviventes a estas provas e mais algumas outras, elaborariam a final um
relatório, que, para testar a sua capacidade de síntese, não poderia exceder
uma folha A4, com as suas impressões, pontos fortes e fracos e currículo
completo, anexando carta de motivação, sobre o tema “Ser político é servir”.
Esta seria a base da entrevista, onde seriam testados ao limite, ligados a um
polígrafo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Talvez
assim os futuros políticos consigam perceber a diferença entre o mapa no
gabinete e a vida real. Talvez assim, cada vez que tomam decisões, se lembrem
das pessoas. Talvez assim conheçam o povo, o ouçam, nas suas queixas e nas suas
histórias, e aprendam o que é solidariedade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Acredito
que as provas tornariam os futuros políticos melhores pessoas e por isso
melhores políticos. Caso contrário, seriam casos perdidos, que deviam ser
banidos de cargos públicos ou exportados para melhorar a balança comercial. Não
muito, porque o seu valor é baixo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Leonor
Martins de Carvalho<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Publicada
a 03/02/2012 no <a href="http://do-futuro.blogspot.pt/2012/02/carteira-de-senhora.html" target="_blank">Eternas Saudades do Futuro</a><o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
Leonor Raposohttp://www.blogger.com/profile/13554672714521585651noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7502925016980169670.post-78276812605568927562014-08-12T00:18:00.000+01:002014-08-12T00:18:07.208+01:00Dia 102 - Da vingança das Letras<div class="MsoNormal">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">A carteira julga-se
cientista no meio de um doutoramento, esquecendo-se convenientemente de ainda não
ter acabado o liceu. Impinge-nos, pois, a sua nova teoria: a vingança das
letras. Das letras más.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Parece que é uma maldição por
fases. Basta olhar para os jornais para ver que agora estamos na fase da letra
B. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">BPN, BPP, BES, BdP, BCE,
ocasionalmente intercalados com Benfica ou Bombardeamentos. Pelos vistos, Ébola
também conta, bem como Avião e Governo, por causa de alguns sotaques. Com estas
excepções, não sei se a tese é lá muito sólida, mas a carteira teima.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A dita série amaldiçoada não
segue qualquer ordem, muito menos a alfabética. Não começou no A nem se lhe
segue o C. É uma série caótica, sem qualquer possibilidade de transcrição em
fórmulas matemáticas, gerada aleatoriamente nos casos terríveis que dominam o
mundo, um mundo, diz ela, subjugado pelas letras.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Perguntei se alguma vez havia
uma qualquer influência positiva nessa tal série vingativa e se palavras como
Bem ou Belo poderiam entrar na sua composição. Explicou que fazem parte da
maldição mas, porque são sempre minoritárias, não conseguem desviar a rota.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A ser assim, e pensando só
em Portugal, posso juntar-lhe ainda Barbárie, Bestas, Burlas e Vergonha (a
pensar nos tais sotaques).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Não vamos sair do Buraco
tão cedo, por isso o reino dos Bês ainda nos vai acompanhar. Vou pedir que me
avise quando chegar a maldição do G, porque quero muito falar de ganância, ou
do C, de compadrio e corrupção. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Pode ser também que um dia
chegue a vez da vingança das letras Boas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Leonor Martins de Carvalho<o:p></o:p></span></div>
</div>
</div>
Leonor Raposohttp://www.blogger.com/profile/13554672714521585651noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7502925016980169670.post-77838376294975829142014-07-30T23:42:00.000+01:002014-07-30T23:42:37.752+01:00Dia 1 - O primeiro dia<div class="MsoNormal">
<div align="JUSTIFY">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: medium;">O
primeiro dia.</span></div>
<div style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: medium;">Este.
Do resto da vida aqui, que espero longa, mas não demasiado para não
agoniarem.</span></span></div>
<div style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: medium;">O
primeiro dia de Dezembro.</span></span></div>
<div style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: medium;">Da
Restauração. Da afirmação da nossa vontade, do retomar das
tradições portuguesas após a quebra de promessas ao povo por um
Rei espanhol. O dia que agora querem esquecer.</span></span></div>
<div style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: medium;">Depois,
todos os nossos outros primeiros dias: de escola, de férias, de
namoro, de trabalho, de casados, até os primeiros de Abril.</span></span></div>
<div style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: medium;">Os
primeiros dias têm um sabor especial que as nossas memórias
conservam teimosamente mesmo quando queremos esquecer.</span></span></div>
<div style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: medium;">Dos
bons primeiros dias retemos o cheiro a cabedal da pasta nova, os
sorrisos que nos recebem, o dar de mão e o beijo desajeitados, a
visão súbita do mar, a emoção da estreia…</span></span></div>
<div style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: medium;">Dos
maus primeiros dias, a ansiedade que nos faz parecer tontinhos
precisamente quando queremos deixar boa impressão e parece que a
fala, a boca, a língua, decidem todas de repente ter vontade
própria, indomável, resolvendo sair-se com disparates que nem
sonhávamos ser capazes de dizer, ou então ficam mudas quando o
cérebro estava cheio de frases preparadas vários dias antes para a
solenidade da ocasião. Pior ainda quando, nem mudas nem tagarelas,
todas elas se entaramelam numa gaguez aflitiva acompanhada de gotas
de suor que nem sequer tinham sido convidadas.</span></span></div>
<div style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: medium;">Está
tudo dito. Vai ser assim.</span></span></div>
<div style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: medium;">Nota
de pé de página em jeito de intróito</span></span></div>
<div style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: medium;">DIA
0</span></span></div>
<div style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: medium;">(há
sempre, desde que os árabes resolveram dar nome ao nada)</span></span></div>
<div style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: medium;">Achou
o João Marchante que eu devia aqui escrever. Sobre o quê?
perguntei-lhe, derretida. Quotidiano, ironia e monarquia, respondeu
sem hesitação. Ena! Conhece-me de ginjeira…</span></span></div>
<div style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: medium;">Escreverei
com a maré dos dias, uns melhores que outros, alguns de raiva,
outros de puro divertimento.</span></span></div>
<div style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: medium;">Ai!
Disciplinar uma mente indisciplinada que já tem idade que chegue, é
obra, mas tentarei cumprir. Prometo que tento. </span></span></div>
<div style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: medium;"><br /></span></div>
<div style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: medium;">Leonor Martins de Carvalho </span></div>
<div style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: medium;"><br /></span></div>
<div style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: medium;">Publicada a 27/01/2012 in </span><a href="http://do-futuro.blogspot.com/2012/01/carteira-de-senhora.html" style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: large;">Eternas Saudades do Futuro</a></div>
<div style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
</div>
Leonor Raposohttp://www.blogger.com/profile/13554672714521585651noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7502925016980169670.post-1358654019405374622014-07-29T00:02:00.001+01:002014-07-30T23:43:00.957+01:00Dia 101 - De recomeços<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;">
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;">
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: white;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: medium;">Recomeçar
é verbo prometedor. Sabe a força. Cheira a novo. </span></span>
</span></div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: white;"><br />
</span></div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: white;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: medium;">Embora
haja quem diga ter medo de recomeços, na verdade, mesmo quase sem
dar por isso, usamos e abusamos das suas versões ao longo das nossas
vidas, todos os anos, todos os meses, todos os dias ou até várias
vezes num mesmo dia. </span></span>
</span></div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: white;"><br />
</span></div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: white;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: medium;">Garante
da sobrevivência, recomeçamos sempre que a vida nos dá estaladas.
Recomeçamos sempre que caímos. Recomeçamos acompanhados.
Recomeçamos sem ninguém ao lado. Recomeçamos a cada filho.
Recomeçamos sempre que a vida nos dá outro olhar. </span></span>
</span></div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: white;"><br />
</span></div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white; font-size: medium;">Cada
acordar é um recomeço. Cada espelho é um recomeço. Cada livro é
um recomeço. Cada mudança de óculos é um recomeço. Cada minuto
em frente a algumas pessoas tem mesmo de ser um recomeço, que segure
com trela a vontade de lhes pregar uma valente sova.</span></span></div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: white;"><br />
</span></div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white; font-size: medium;">Esta
carteira está tão próxima da espécie humana quanto lhe permite a
sua sede de assimilação. Fechou-se (comprou até cadeado na loja do
chinês!) quando chegou aos cem títulos em blogue alheio. Grata ao
João Marchante mas exausta. Faltava-lhe o treino naqueles hábitos
saudáveis que tanto apregoam por aí.</span></span></div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: white;"><br />
</span></div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white; font-size: medium;">Após
reflexão profunda, tanta quanto o seu volumoso bojo, decidiu-se
então pelo recomeço, arrombou o cadeado e mudou-se de armas e
bagagens para apartamento próprio (é arrendado, mas agradeço que
não lhe digam).</span></span></div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: white;"><br />
</span></div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white; font-size: medium;">Neste
andar de duas assoalhadas, convivem antigas crónicas e arremedos de
novas, agora sem horários fixos. Não consegui inculcar-lhe os tais
hábitos...</span></span></div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: white;"><br />
</span></div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white; font-size: medium;">Deixamos
o <a href="http://egoquoque.blogspot.pt/" target="_blank">ego quoque</a> para o que sempre foi. O cantinho.</span></span></div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: white;"><br />
</span></div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white; font-size: medium;">Se
este recomeço não parece tão prometedor quanto o verbo, no futuro
vai tentar sê-lo, tanto mais que de promessas vãs está a carteira
cheia e por isso nunca encontro nela o tema das crónicas.</span></span></div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="color: white;"><br />
</span></div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white; font-size: medium;">Já
agora, pedia o pequeníssimo favor ao país para aprender a
recomeçar.</span></span></div>
<br />
<br />
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white; font-size: medium;">Leonor
Martins de Carvalho</span></span></div>
</div>
</div>
Leonor Raposohttp://www.blogger.com/profile/13554672714521585651noreply@blogger.com0