segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Dia 2 - Dos políticos

Até podia aproveitar a maré das efemérides desta semana para uma alfinetada monárquica. Contudo, tal como os nossos antepassados aprenderam a navegar à bolina para chegar a bom porto, decidi ir contra o vento. Afinal nem tinha outra hipótese, pois nesta carteira, gémea de todas as outras, o aleatório é quase comandante. Nunca se encontra o que se quer e sai sempre o inesperado.

Parafraseando os saudosos Monty Python, passemos então a algo completamente diferente: “os políticos”. Queixamo-nos todos os dias dos políticos em geral e de muitos em particular. Que fazer? Haverá solução? Será que ligeiras alterações à sua carreira fariam alguma diferença? É mesmo o que proponho, ligeiríssimas alterações.

Todos os aspirantes a uma carreira na política, seriam obrigados a passar por uma série de provas. À moda dos Jogos sem Fronteiras, lembram-se? Para que o povo conhecesse bem os futuros políticos, as provas seriam televisionadas e apresentadas pelo Eládio Clímaco, que tem a experiência requerida.

Deixo aqui dois singelos exemplos:

1. Viver um mês numa aldeia isolada.
Pode ser em Trás-os-Montes, Beiras ou Alentejo, tanto faz.
A preferência seria por uma aldeia num vale recôndito, sem rede de telemóvel nem de Internet, nem sequer acesso à novíssima TDT. Ficariam a 20 km de outra aldeia e a 50 km da vila mais próxima, através de belíssimas estradas com curvas a cada 5 metros e com espaço suficiente para passar um Mini.
Os candidatos receberiam a reforma mínima, não tinham direito a automóvel e teriam de fazer a vida de uma família normal: ir para o trabalho, às compras, ao médico, à escola, à Câmara, ao tribunal (antes ainda do novo mapa judiciário).
O júri era constituído por habitantes locais com fama de incorruptíveis, que se encarregavam de verificar se não havia batotas.

2. Viver em ambiente urbano sem automóvel, num qualquer subúrbio de Lisboa.
Pode ser Seixal, Stª Iria de Azóia ou Algueirão, tanto faz.
Nesta prova, com o pecúlio aumentado para o salário mínimo, teriam de descobrir que tipo de passe comprar, as ligações e transbordos necessários, e depois ir para e voltar do trabalho à hora de ponta, bem como efectuar percursos em horário nocturno e em fim-de-semana.
Também aqui se poderia recorrer a habitantes locais como jurados, mas um concurso para voluntários controladores não era má ideia, desde que fossem revistados antes, para evitar vinganças privadas.

Os sobreviventes a estas provas e mais algumas outras, elaborariam a final um relatório, que, para testar a sua capacidade de síntese, não poderia exceder uma folha A4, com as suas impressões, pontos fortes e fracos e currículo completo, anexando carta de motivação, sobre o tema “Ser político é servir”. Esta seria a base da entrevista, onde seriam testados ao limite, ligados a um polígrafo.

Talvez assim os futuros políticos consigam perceber a diferença entre o mapa no gabinete e a vida real. Talvez assim, cada vez que tomam decisões, se lembrem das pessoas. Talvez assim conheçam o povo, o ouçam, nas suas queixas e nas suas histórias, e aprendam o que é solidariedade.

Acredito que as provas tornariam os futuros políticos melhores pessoas e por isso melhores políticos. Caso contrário, seriam casos perdidos, que deviam ser banidos de cargos públicos ou exportados para melhorar a balança comercial. Não muito, porque o seu valor é baixo.

Leonor Martins de Carvalho

Publicada a 03/02/2012 no Eternas Saudades do Futuro


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