Bem tentou a carteira
impedir-me por todos os meios de escrever esta crónica. Usou de argumentação
científica, literária, abusou de golpes baixos, enfim, o costume. Que já todos
escreveram sobre o mesmo, que é repetitivo, que nunca terás a força de um
verdadeiro escritor, que não conseguirás atingir as almas.
Não sei. Não quero saber.
Sai-me das entranhas, esta. Das más. Aquelas que nos viram as tripas. Que nos
nauseiam e nos tiram o sono. A alguns, claro, e tenho a pouca sorte de ser um
deles. Deixei de ver televisão, mas sempre me chegam notícias pela Internet e sinto
asco, asco e mais asco. As náuseas que não tive na gravidez. Deve ser castigo.
Há anos que vemos, lemos e
sabemos das promíscuas vizinhanças, ou melhor, da partilha de cama e mesa (com
roupa lavada) entre poderes económicos e políticos e das amancebações (não
existe a palavra, paciência, inventei) com empresas de advogados. Sem pudores
nem remorsos.
Tudo tem um preço e cada
vez mais baixo. Não existe país, não existe Nação, não existe Língua, existe
uma oportunidade de negócio. A prostituição de uma Pátria. Vendem-se os pais,
os avós, a língua, a terra, o património, a História a troco de um passaporte,
um prato de lentilhas, um honoris causa,
uma condecoração.
Honras a quem traiu, vendeu,
sabujou, calou. Calúnias a quem resiste. Chegamos a pensar que estamos sós, que
estamos doidos, apontam-nos como ultrapassados por não percebermos a utilidade
(traduza-se por dinheiro nos bolsos) da coisa. Estranham não cedermos ao marketing bem delineado da pertença a um
qualquer suposto bem maior.
Roubar, mentir, vender-se,
vender outrem, vender património ao deus-dará, delapidá-lo, descaracterizá-lo, cometer
genocídio de todos quantos vivem fora do centro do poder, passaram a ser os
mandamentos deste mundo a que não quero pertencer.
O asco não se resume a
este canto. É vírus bem mais potente que qualquer Ébola. Assistimos a igual ou
parecido (embora pareça sempre pior aqui, porque nem a justiça funciona) por
todo o Mundo.
A guerra, a corrupção, a
violência, a violência gratuita, os negócios com a guerra, os negócios com as
riquezas das Nações dos outros, as perseguições, os abjectos usos de crianças
nas podridões de sociedades sem consciência.
Passei a vida a dizer à
filha “com o mal dos outros posso eu bem”, ou “se X se atirasse a um poço
também se atirava?”… a propósito do eterno argumento infantil de que os outros
também fazem, ou podem, ou fosse o que fosse. Mantenho o argumento. Gosto de
dormir tranquila. Infelizmente, dormir tranquilo, para muitos, é dormir abraçadinho
à ganância e tomar o pequeno-almoço com ela, porque pagou.
Assusta. Conseguimos
antever um futuro, não o que desejámos, mas o imposto por obscuros tempos. Uma
coutada de alguém. Em rigor, negamos, mas até já somos.
Pensei em fugir. Ir para
outro canto, bem longe. Mas este canto é também meu, foi dos meus, herdei deles
uma visão muito própria do que somos. Porque hei-de fugir? Porque não ficar e
resistir? Porque não acreditar que somos mais do que marionetas?
O melhor comprimido para a
náusea provocada pelo asco são os pequenos momentos, no dia-a-dia, que nos fazem
acreditar haver ainda gente boa e sã, apesar da visão diariamente imposta de
inúmeras montanhas que nos atrofiam e nos parecem inultrapassáveis.
Nem que seja por um.
Portugal tem oitocentos e setenta e um
anos. Só precisa de quem o continue a amar. Um amor vindo das entranhas.
Das boas.
Leonor Martins de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário